Um dia inteiro, o inteiro de um dia. O dia de um inteiro.

Os ipês brancos estavam florescendo. Galhos sem folhas, somente flores. Parecia que havia nevado, mas fazia calor. Era a minha época do ano preferida.
Os dias começavam cinzentos e iam amarelando e roxeando até ficarem pretos e estrelados, e as manhãs eram como ganhar o primeiro pedaço do bolo de aniversário de alguém que a gente gosta quando é criança. Aquela corzinha clara das manhãs entrava por todos os poros da minha pele e me fazia feliz. E então ia chegando a hora do almoço e depois a tarde e depois a noite e eu ia morrendo por dentro enquanto isso. E deitava em minha cama pra ansiar pela cor clara da manhã seguinte.

Olho pela janela e vejo concreto.

Quem é que pode dizer o que é normal? Quem é que pode apontar o dedo pra minha cara e dizer que minha visão de mundo é errada? Me explica, quem no mundo acha que pode se dar ao direito de contestar os meus sonhos?
A realidade é relativa. Eu vejo o mundo com os meus olhos. Vejo azul onde acho que é azul. Você também vê azul onde acha que é azul, e então eu me pergunto: a cor que você vê é a mesma que eu vejo?
Os loucos ficam no hospício. Os loucos vêem e sentem coisas que não existem. E então eu me pergunto: quem apontou o dedo pra cara deles e disse que nada daquilo é real? O normal é chato, o normal não atrai. O seu terno é preto, a sua expressão é de cansaço. A sua realidade é aquela velha história de eu-olho-somente-para-as-coisas-que-foram-tidas-como-certas. Mas não está nada certo. Ou está.
Eu gosto de brincar de faz de conta. Gosto de imaginar que existem mundos diferentes deste. Gosto da realidade presente na minha imaginação. E aí sou chamada de louca. Prefiro ser louca a ter aquela cara de cansaço e fadiga e conformação.

Olho pela janela e vejo árvores com pseudo-neve.

Uma novidade: os movimentos de rotação e translação não pararam. Nós continuamos aqui, girando e girando e girando sem ficarmos tontos.
Uma constatação: estamos todos sozinhos.

Ele apareceu naquela noite de Janeiro, ou Fevereiro, não sei direito. Tenho certeza de que não era Março, porque em Março nós já estávamos juntos. E eu lembro do olhar de menino-criança, menino-perdido, menino-que-me-apresentou-a-nicotina. E a nicotina era, pra gente, o pior dos males naquela época. E então teve bastante jurupinga e vodka barata. Bastante música e bastante insegurança. Metade disso acabou na véspera do meu aniversário. "Seremos amigos, somente amigos. Amigos, porque eu não quero simplesmente te tirar da minha vida". Depois teve mais música, e teve também aperto no peito. No meio disso, teve uma cama quebrada, um quarto em chamas, cerveja, alguns beijos e Jim Sturgess cantando Beatles.
Ele arranjou uma namorada, eu tive meus rolos. Capotamos. E aí veio a maconha, a Penny Lane, o projeto de Magical Mistery Tour. E brigas, muitas brigas, muitas discussões, muitas lágrimas e muito rancor. Mas todos permaneceram juntos. E chegou a cocaína, a tentativa de suicídio, os remédios, say it now cause in your heart it's loud. Sexo. E o amor voltou. O amor que não tinha ido embora, apenas se escondido. Os olhos de menino-criança e menino-perdido continuam, mas me parecem mascarados por uma dor já cansada.

As flores dos ipês brancos caíram porque as folhas já querem voltar. E eu continuo louca. A cor da manhã hoje é um verde quase branco, e tem cheiro de nuvem. O meu azul continua sendo azul, e o seu também. Olho pela janela e vejo chuva se formando, e enquanto permaneço dentro dessa caixa gigante de vidro e concreto, percebo que a terra continua girando.
E nunca vai parar.

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