A Little Accident.

Eu nunca tinha dado muito valor nessa coisa de aproveitar a vida. Nunca tinha entendido. Todo mundo fala que tem que acontecer alguma coisa conosco para que realmente nos importemos, e eu sempre achei que fosse besteira. Até aquele dia.
Não consigo explicar o que senti quando vi tudo girando... Foi uma mistura gigantesca de sentimentos. O barulho da roda batendo no meio-fio e do carro pousando no chão foram, pra mim, ensurdecedores. Os outros não lembram desses sons. A única coisa que eu pensava enquanto o carro rodava era 'acabe logo, acabe logo, acabe logo'.
O gui abriu o porta malas e saiu. Foi ajudar as outras pessoas a saírem do carro pela porta da frente. Saí pelo mesmo lugar que ele e, nessa hora, só pensava em entrar lá de novo para pegar meu tenis, que tinha saído do meu pé. Eu ainda não havia me tocado do que tinha acontecido. Depois que todos saíram, entrei e peguei meu all star - nessa hora marrom - branco. Saí de dentro do carro novamente, calcei o que tinha pego. Vi o carro de lado, completamente amassado. Minhas pernas bambearam e eu comecei a chorar. Acendi um cigarro.
A vida é sim muito frágil. Nós poderíamos ter morrido dentro do Jet, o Jatinho, dentro do Fox Submarine. Dentro do carro de onde tiramos todos os fandangos que caíram nos tapetes e nos bancos duas horas antes... Onde, naquele dia, avitamos fumar por causa do cheiro que ficaria. Aquele carrinho preto que tocava as melhores músicas do mundo e que nos levou pra todas as praças, picos, postos, parques abandonados... Que nos levava pra casa.
Eu continuo sem medo de morrer. Não acho que devemos ter medo de algo que acontece com todo mundo, que é natural. O que me preocupa é quando isso pode acontecer, porque pode não ser a hora, assim como não foi naquele dia.
We all used to live in a Fox Submarine.

Nove do Dez de Dois Mil e Dez.

Era sábado, lá pelo meio dia, no centro da cidade. Ao contrário do que costuma acontecer, estava frio - ou talvez fosse só a minha febre se manifestando. Eu estava esperando, como de costume depois da aula de desenho, pelo carro cinza com a placa iniciada por DQX estacionar frente à escola, para eu ir pra casa. Entediada.
Uma coisa - e talvez a única - que eu gosto de fazer enquanto espero é observar as pessoas que passam por lá. Sempre vejo um casal de velhinhos andando de mãos dadas, cada um com sua aliança na mão esquerda, em passos lentos e tranquilos. Gosto de imaginar que estão juntos há muito tempo, e acho isso extremamente bonito. Quase me faz acreditar em amor. Talvez na época em que se casaram, ele realmente existisse.
Mas isso não aconteceu, eles não passaram por lá naquele dia.
E outra coisa me chamou a atenção.
Descendo a rua, com um andar perdido, quase enigmático, vinha um senhor já de bastante idade. O que notei, foi que ele olhava bem no fundo dos olhos das pessoas por quem passava. Por um instante, o achei estranho.
Lembrei-me do dia em que um outro senhor passou por mim, parou, voltou à minha frente e disse "Essa cor de cabelo ficou ótima em você. Não mude nunca!".
Quando saí dessa lembrança, o senhor do passo misterioso estava quase passando por mim. Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete segundos, e ele chegou onde eu estava. Olhou em meus olhos, com os seus, que pareciam maiores que o normal devido aos óculos de lentes grossas. E foi então que vi.
Os olhos pareceram maiores ainda, e o que eu senti foi inexplicável. Vi tanta coisa naqueles olhos quase pretos... Vi uma súplica, um desejo extremamente enorme dizendo 'É você? Por favor, me diga que é você!". Vi uma coisa cinza, sem forma, sem identidade, vazia. Vi uma tristeza e uma falta de conhecimento de tempo e espaço tão cortante, que tive vontade de me desculpar, de dizer que não era eu, mas que daria tudo pra que fosse, praquilo tudo sair dos olhos dele. Era como se ele tivesse perdido algo. Ou melhor - pior -, alguém. Ele procurava alguém conhecido em cada olho que via. Talvez não fosse alguém conhecido, mas alguma coisa, qualquer coisa familiar. Tive vontade de chorar.
Não encontrou em mim, e continuou andando, procurando tudo o que faltava nele nos olhos das outras pessoas.
Tive mais vontade ainda de chorar.


Não, eu não consigo expressar com palavras o que vi nos olhos dele. Não há nada que explique.

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