Nove do Dez de Dois Mil e Dez.

Era sábado, lá pelo meio dia, no centro da cidade. Ao contrário do que costuma acontecer, estava frio - ou talvez fosse só a minha febre se manifestando. Eu estava esperando, como de costume depois da aula de desenho, pelo carro cinza com a placa iniciada por DQX estacionar frente à escola, para eu ir pra casa. Entediada.
Uma coisa - e talvez a única - que eu gosto de fazer enquanto espero é observar as pessoas que passam por lá. Sempre vejo um casal de velhinhos andando de mãos dadas, cada um com sua aliança na mão esquerda, em passos lentos e tranquilos. Gosto de imaginar que estão juntos há muito tempo, e acho isso extremamente bonito. Quase me faz acreditar em amor. Talvez na época em que se casaram, ele realmente existisse.
Mas isso não aconteceu, eles não passaram por lá naquele dia.
E outra coisa me chamou a atenção.
Descendo a rua, com um andar perdido, quase enigmático, vinha um senhor já de bastante idade. O que notei, foi que ele olhava bem no fundo dos olhos das pessoas por quem passava. Por um instante, o achei estranho.
Lembrei-me do dia em que um outro senhor passou por mim, parou, voltou à minha frente e disse "Essa cor de cabelo ficou ótima em você. Não mude nunca!".
Quando saí dessa lembrança, o senhor do passo misterioso estava quase passando por mim. Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete segundos, e ele chegou onde eu estava. Olhou em meus olhos, com os seus, que pareciam maiores que o normal devido aos óculos de lentes grossas. E foi então que vi.
Os olhos pareceram maiores ainda, e o que eu senti foi inexplicável. Vi tanta coisa naqueles olhos quase pretos... Vi uma súplica, um desejo extremamente enorme dizendo 'É você? Por favor, me diga que é você!". Vi uma coisa cinza, sem forma, sem identidade, vazia. Vi uma tristeza e uma falta de conhecimento de tempo e espaço tão cortante, que tive vontade de me desculpar, de dizer que não era eu, mas que daria tudo pra que fosse, praquilo tudo sair dos olhos dele. Era como se ele tivesse perdido algo. Ou melhor - pior -, alguém. Ele procurava alguém conhecido em cada olho que via. Talvez não fosse alguém conhecido, mas alguma coisa, qualquer coisa familiar. Tive vontade de chorar.
Não encontrou em mim, e continuou andando, procurando tudo o que faltava nele nos olhos das outras pessoas.
Tive mais vontade ainda de chorar.


Não, eu não consigo expressar com palavras o que vi nos olhos dele. Não há nada que explique.

7 comentários:

May disse...

Imagino que também notaria o tal senhor... Por que não falou com ele? Eu desejaria falar, mas alguma coisa me trava e não consigo me aproximar.

antonella restini disse...

Não falei porque alguma coisa me trava, também.

Emanuele Alves disse...

Caramba, amei seu texto. Sensível, peculiar, e não perdi a vontade de continuar lendo em momento algum.

Anônimo disse...

Se a gente pudesse descrever com exatidão tudo o que vivencia, viver perderia o sentido.

Beatriz Alves Leite disse...

BRIGADA POR ME FAZER CHORAR, PÔ Ç.Ç
caramba :(

Unknown disse...

triste o texto... mas bem real.

Velhice é algo extremamente nostálgico.
Eles, "os cabecinhas brancas" sempre procuram coisas atuais para lembrarem coisas que já viveram.

Anônimo disse...

Realmente não se pode explicar como é triste o olhar de quem perdeu alguém ): Texto lindo!

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