Carnaby

O vento gelado queimava meu rosto e isso ardia como um golpe de chicote. Acendi um cigarro pra tentar me distrair, mas não adiantou muita coisa. Aliás, não adiantou nada.
Será que é esse o lugar certo? Pensei um pouco mais alto do que pretendi. Olhei para cima e vi o letreiro do hotel. Thistle. Na parede do outro lado da rua a placa indicava Withcomb Street. Era lá mesmo. Comecei a andar até achar a estátua de um anjo em frente ao Picadilly Circus, e a quantidade de gente era tão grande que quase me sufocava.
Eu não sabia direito pra onde estava indo, mas sabia que tinha que ir. As pessoas andavam bêbadas e cambaleantes naquela noite de sábado, rindo muito alto ou então vomitando em algum canto. Algumas haviam saído de algum pub ou danceteria, outras tinham vindo direto de Chinatown. Alguns caras com cabelos raspados, calças bem apertadas e coturnos extremamente grossos estavam indo atrás de um grupo de homossexuais escandalosos. O desfecho disso eu já sabia.
Sentei um pouco ao pé da estátua de anjo, que formava uns degraus confortáveis. Eu estava tremendo de frio, e apesar do mármore frio estar piorando a situação, me senti extremamente bem ali. Uma menina muito bonita passou me olhando e sorriu. Um menino com um casaco de couro com spikes sentou ao meu lado e pediu meu isqueiro emprestado.

Não sei quanto tempo fiquei ali, mas a quantidade de gente tinha diminuído um pouco. Me levantei e continuei meu caminho, dessa vez indo pela Oxford Street. Andei pouco até achar um beco que me pareceu interessante. Comecei a andar por ele com um pouco de medo. Havia ali alguns pequenos grupos de pessoas cujas roupas eu não conseguia ver. Passei bem perto de um deles, e notei seringas e agulhas. Heroína.
Mais pra frente havia uma placa que dizia Carnaby Street. Aquele nome não me era estranho. O vento ali já não era tão forte. Acho que por causa das construções altas que não o deixavam fluir. Essa rua era iluminada e cheia de gente, mas não tanto quanto o inferno que era o Picadilly, deixando a caminhada até agradável. Minhas botas estavam apertanto meus pés.
Vi uma fila em frente a um pub. O letreiro tinha um fundo branco e dizia Marquee Club em vermelho. Me posicionei atrás da ultima pessoa da fila.
Fiquei quinze minutos lá, e esses minutos pareceram horas. Pude pensar em muitas coisas. Não que eu quisesse pensar nelas, mas era praticamente inevitável. Pensei no frio, nos barulhos da noite, nas luzes, na ausência de lua, nas nuvens formando uma grande chuva. Pensei em como eu havia parado ali, mas não consegui chegar numa conclusão condizente com a realidade.
O homem da porta, alto, forte e vestido com uma camiseta do Pink Floyd feita por ele mesmo pediu minha identidade. Não acreditou que a pessoa da foto era eu, e eu perdi mais uns bons minutos - horas - convencendo-o de que era legítimo. Entrei.
Peguei uma cerveja no bar. Não que eu estivesse com vontade de beber, mas ter algo nas mãos me parecia apropriado. A temperatura lá dentro era agradável e acolhedora. A música também. Um arranjo com violinos meio desafinados, e a uma voz cantando 'she comes in colors everywhere, she combs her hair. She's like a rainbow'. Eu conhecia aquela música, mas não lembrava de onde.
Então outra música começou. "You wake me in my sleeping hours like a cloud. So please, carry the lantern high". Lembrei do meu pai colocando um disco na vitrola. Lembrei do violino da música anterior, e lembrei de quando ele me chamava de Rainbow e dizia que aquela música havia sido feita pra mim. lembrei da felicidade que ele exalava quando chegava a hora da música que estava tocando no momento. Lembrei de quando me entregou a capa bem conservada disse pra eu escutar aquele disco sempre que sentisse saudades dele. Disse que morava em cada acorde de cada música.
Então a imagem da capa veio estampada em minha mente. Aquela imagem com uma borda azul com nuvens brancas que envolvia uma outra imagem, essa bastante colorida. E eu lembrei. Lembrei o que eu estava fazendo ali, lembrei de como fui parar ali.
Rolling Stones estava tocando, e eram as m
úsicas do disco do meu pai.
Aquele era o meu lugar.

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