Words are inert.

Fiquei acordada durante a madrugada inteira mais uma vez. Minhas costas doem por ficarem encostadas de mal jeito em dois travesseiros empilhados e encostados, também de mal jeito, na cabeceira da cama. Imagino se eles também estão sentindo dor. Queria levantar e fazer um pouco de café pra mim, mas me falta o ânimo. E tá um pouco frio fora do edredom.
Meio velho, aliás. O edredom, não o frio, nem o café que eu não fiz - se eu não o fiz, não tem como estar velho, certo? Certo, mas eu não quero pensar sobre essas coisas. Não quero porque você não está aqui com aquela caneca da banda que você gosta. Você não está aqui com aquela camiseta preta do Stewie. Você não está aqui, e pensar em café e edredom e dor nas costas só tem feito sentido com você por perto.
Já escrevi e apaguei tanta coisa aqui. Foi quase um maço inteiro nessa brincadeira de transformar em palavras o que eu sinto. Não consegui. Por que será que é tão difícil nomear a grandiosidade do que a gente tem por dentro? Eu preciso escrever, preciso tirar de mim essa coisa que ameaça transbordar de cada poro da minha pele.

Outro dia eu lembrei de quando eu andei da Concorde até o Louvre e conheci um senhor poliglota conhecedor do mundo. Lembrei do croque monsieur do Cafe de la Paix e do macarrão com salmão do Santa Lucia. E na minha última noite lá, ouvi Radiohead enquanto a torre Eiffel acendia. The moment's already passed, yeah, it's gone. Tive vontade de chorar. Gostaria de ter compartilhado o momento com você.
Tenho pensado muito em várias coisas. Algumas importantes, mas a maioria não. Pensar em coisas importantes é uma tarefa difícil pra mim, já que a maioria delas dói bastante. Sendo assim, ocupo minha mente com assuntos pequenos. Possíveis misturas de cores na paleta de pintura, meu som desregulado que faz os graves latejarem dentro da cabeça, vontade de pão com manteiga na chapa, os besouros metálicos que aparecem no meu quarto de vez em quando. O difícil é controlar o que eu penso para que os tópicos importantes não me atinjam com força. Sua partida é um deles. Eu me pergunto todo dia como é que vai ser quando você for embora, como é que vai ser quando estiver frio fora do edredom e você não estiver aqui pra me esquentar, como-é-que-vou-ser.
Mas eu não quero falar sobre isso. Não quero porque você não está aqui com aquela sua mochila bege esverdeada que carrega quadrinhos. Não quero porque você não está aqui debaixo do edredom comigo.
Não quero falar sobre isso. Não hoje.


Olha,

Eu acordei hoje e vi que não valia a pena. Só vi, não senti. Estou parada entre a razão e a emoção.
A manhã tem cheiro de cigarro e café forte, mas isso não faz mais diferença pra você. Nem pra mim. Não do jeito que costumava fazer.
Queria poder ligar para o Caio e chamá-lo pra sair, mas eu duvido da existência de telefones lá onde ele está agora.

Não quero falar sobre como eu me sinto, como me senti, como me sentirei. Quero saber do que acontece aí dentro de você, nesse lugarzinho mórbido e bizarro que é o seu interior. Quero saber o que te fez mudar de ideia, o que te faz ser tão estúpido.
Quero conseguir escrever em poucos cinco minutos, porque quando eles se passarem eu já estarei mudando de ideia.
Mudei.
Anunciarei a desistência. Minha, dessa vez. Desisto.

Mas se você aparecesse com uma flor, um olhar e três tiros nas costas, os cinco minutos voltariam. O tempo funciona assim.

Um dia inteiro, o inteiro de um dia. O dia de um inteiro.

Os ipês brancos estavam florescendo. Galhos sem folhas, somente flores. Parecia que havia nevado, mas fazia calor. Era a minha época do ano preferida.
Os dias começavam cinzentos e iam amarelando e roxeando até ficarem pretos e estrelados, e as manhãs eram como ganhar o primeiro pedaço do bolo de aniversário de alguém que a gente gosta quando é criança. Aquela corzinha clara das manhãs entrava por todos os poros da minha pele e me fazia feliz. E então ia chegando a hora do almoço e depois a tarde e depois a noite e eu ia morrendo por dentro enquanto isso. E deitava em minha cama pra ansiar pela cor clara da manhã seguinte.

Olho pela janela e vejo concreto.

Quem é que pode dizer o que é normal? Quem é que pode apontar o dedo pra minha cara e dizer que minha visão de mundo é errada? Me explica, quem no mundo acha que pode se dar ao direito de contestar os meus sonhos?
A realidade é relativa. Eu vejo o mundo com os meus olhos. Vejo azul onde acho que é azul. Você também vê azul onde acha que é azul, e então eu me pergunto: a cor que você vê é a mesma que eu vejo?
Os loucos ficam no hospício. Os loucos vêem e sentem coisas que não existem. E então eu me pergunto: quem apontou o dedo pra cara deles e disse que nada daquilo é real? O normal é chato, o normal não atrai. O seu terno é preto, a sua expressão é de cansaço. A sua realidade é aquela velha história de eu-olho-somente-para-as-coisas-que-foram-tidas-como-certas. Mas não está nada certo. Ou está.
Eu gosto de brincar de faz de conta. Gosto de imaginar que existem mundos diferentes deste. Gosto da realidade presente na minha imaginação. E aí sou chamada de louca. Prefiro ser louca a ter aquela cara de cansaço e fadiga e conformação.

Olho pela janela e vejo árvores com pseudo-neve.

Uma novidade: os movimentos de rotação e translação não pararam. Nós continuamos aqui, girando e girando e girando sem ficarmos tontos.
Uma constatação: estamos todos sozinhos.

Ele apareceu naquela noite de Janeiro, ou Fevereiro, não sei direito. Tenho certeza de que não era Março, porque em Março nós já estávamos juntos. E eu lembro do olhar de menino-criança, menino-perdido, menino-que-me-apresentou-a-nicotina. E a nicotina era, pra gente, o pior dos males naquela época. E então teve bastante jurupinga e vodka barata. Bastante música e bastante insegurança. Metade disso acabou na véspera do meu aniversário. "Seremos amigos, somente amigos. Amigos, porque eu não quero simplesmente te tirar da minha vida". Depois teve mais música, e teve também aperto no peito. No meio disso, teve uma cama quebrada, um quarto em chamas, cerveja, alguns beijos e Jim Sturgess cantando Beatles.
Ele arranjou uma namorada, eu tive meus rolos. Capotamos. E aí veio a maconha, a Penny Lane, o projeto de Magical Mistery Tour. E brigas, muitas brigas, muitas discussões, muitas lágrimas e muito rancor. Mas todos permaneceram juntos. E chegou a cocaína, a tentativa de suicídio, os remédios, say it now cause in your heart it's loud. Sexo. E o amor voltou. O amor que não tinha ido embora, apenas se escondido. Os olhos de menino-criança e menino-perdido continuam, mas me parecem mascarados por uma dor já cansada.

As flores dos ipês brancos caíram porque as folhas já querem voltar. E eu continuo louca. A cor da manhã hoje é um verde quase branco, e tem cheiro de nuvem. O meu azul continua sendo azul, e o seu também. Olho pela janela e vejo chuva se formando, e enquanto permaneço dentro dessa caixa gigante de vidro e concreto, percebo que a terra continua girando.
E nunca vai parar.

Carnaby

O vento gelado queimava meu rosto e isso ardia como um golpe de chicote. Acendi um cigarro pra tentar me distrair, mas não adiantou muita coisa. Aliás, não adiantou nada.
Será que é esse o lugar certo? Pensei um pouco mais alto do que pretendi. Olhei para cima e vi o letreiro do hotel. Thistle. Na parede do outro lado da rua a placa indicava Withcomb Street. Era lá mesmo. Comecei a andar até achar a estátua de um anjo em frente ao Picadilly Circus, e a quantidade de gente era tão grande que quase me sufocava.
Eu não sabia direito pra onde estava indo, mas sabia que tinha que ir. As pessoas andavam bêbadas e cambaleantes naquela noite de sábado, rindo muito alto ou então vomitando em algum canto. Algumas haviam saído de algum pub ou danceteria, outras tinham vindo direto de Chinatown. Alguns caras com cabelos raspados, calças bem apertadas e coturnos extremamente grossos estavam indo atrás de um grupo de homossexuais escandalosos. O desfecho disso eu já sabia.
Sentei um pouco ao pé da estátua de anjo, que formava uns degraus confortáveis. Eu estava tremendo de frio, e apesar do mármore frio estar piorando a situação, me senti extremamente bem ali. Uma menina muito bonita passou me olhando e sorriu. Um menino com um casaco de couro com spikes sentou ao meu lado e pediu meu isqueiro emprestado.

Não sei quanto tempo fiquei ali, mas a quantidade de gente tinha diminuído um pouco. Me levantei e continuei meu caminho, dessa vez indo pela Oxford Street. Andei pouco até achar um beco que me pareceu interessante. Comecei a andar por ele com um pouco de medo. Havia ali alguns pequenos grupos de pessoas cujas roupas eu não conseguia ver. Passei bem perto de um deles, e notei seringas e agulhas. Heroína.
Mais pra frente havia uma placa que dizia Carnaby Street. Aquele nome não me era estranho. O vento ali já não era tão forte. Acho que por causa das construções altas que não o deixavam fluir. Essa rua era iluminada e cheia de gente, mas não tanto quanto o inferno que era o Picadilly, deixando a caminhada até agradável. Minhas botas estavam apertanto meus pés.
Vi uma fila em frente a um pub. O letreiro tinha um fundo branco e dizia Marquee Club em vermelho. Me posicionei atrás da ultima pessoa da fila.
Fiquei quinze minutos lá, e esses minutos pareceram horas. Pude pensar em muitas coisas. Não que eu quisesse pensar nelas, mas era praticamente inevitável. Pensei no frio, nos barulhos da noite, nas luzes, na ausência de lua, nas nuvens formando uma grande chuva. Pensei em como eu havia parado ali, mas não consegui chegar numa conclusão condizente com a realidade.
O homem da porta, alto, forte e vestido com uma camiseta do Pink Floyd feita por ele mesmo pediu minha identidade. Não acreditou que a pessoa da foto era eu, e eu perdi mais uns bons minutos - horas - convencendo-o de que era legítimo. Entrei.
Peguei uma cerveja no bar. Não que eu estivesse com vontade de beber, mas ter algo nas mãos me parecia apropriado. A temperatura lá dentro era agradável e acolhedora. A música também. Um arranjo com violinos meio desafinados, e a uma voz cantando 'she comes in colors everywhere, she combs her hair. She's like a rainbow'. Eu conhecia aquela música, mas não lembrava de onde.
Então outra música começou. "You wake me in my sleeping hours like a cloud. So please, carry the lantern high". Lembrei do meu pai colocando um disco na vitrola. Lembrei do violino da música anterior, e lembrei de quando ele me chamava de Rainbow e dizia que aquela música havia sido feita pra mim. lembrei da felicidade que ele exalava quando chegava a hora da música que estava tocando no momento. Lembrei de quando me entregou a capa bem conservada disse pra eu escutar aquele disco sempre que sentisse saudades dele. Disse que morava em cada acorde de cada música.
Então a imagem da capa veio estampada em minha mente. Aquela imagem com uma borda azul com nuvens brancas que envolvia uma outra imagem, essa bastante colorida. E eu lembrei. Lembrei o que eu estava fazendo ali, lembrei de como fui parar ali.
Rolling Stones estava tocando, e eram as m
úsicas do disco do meu pai.
Aquele era o meu lugar.

Vapor de Nada.

Preciso tirar tanta coisa de dentro de mim, mas não encontro as palavras certas.
Eu, aliás, em momento algum encontro as palavras certas. Nunca encontrei, e a impressão que tenho é de que isso nunca vai acontecer.

Existe um monte de coisa que eu gostaria de falar pra algumas pessoas, mas me faltam as palavras. Me faltam gestos, me falta coragem. Sempre tive muito medo de me expressar, e sempre que o fiz, foi da maneira errada, com as letras erradas, com os movimentos e motivos errados.
Sempre foi muito difícil. Não sei se é vergonha dos meus sentimentos, se é insegurança, se é besteira da minha cabeça.
Às vezes sinto que estou esperando por alguma coisa, algum sinal. E espero, espero, espero, espero sem vontade de esperar, mas espero, e continuo esperando sem nem saber exatamente o quê ou por quê. Eu nem sei se realmente espero, ou se só tenho a ilusão de que o faço.

E ontem pensei nisso enquanto eu tomava banho, e toda aquela água, todo aquele vapor e toda aquela melodia que saía das caixas de som me fizeram chorar. Chorei por mim, por você, pelos meus dedos que estavam ficando enrugados. Chorei de medo, de sono, de cansaço, de frio, de dor. Chorei pela decepção de esperar que aquela água quente lavasse e tirasse tudo o que eu tinha dentro de mim. Chorei por lembrar da visão da janela do avião, que envolvia a lua, as nuvens e milhões de estrelas, e chorei também por não conseguir descrever a beleza que eu via naquilo.
Mas principalmente, chorei por não saber exata e claramente o porquê.

E nada, nada de tudo o que eu guardo conseguiu sair.

Message In The Bottle.

D.G.,
Sei que ja faz tempo, sei que nós nos desentendemos e que nossa relação ficou frágil e incerta, chegando a romper-se completamente. Sei que você não quer mais me ver, ou sequer ouvir falar de mim, mas eu precisava escrever-te.
Você se lembra do café, dos óculos, do violão? Do teto que te dava tontura, da escada, do lago?
Eu não sei o que te fez mudar tanto. Juro que não sei. Hoje eu sinto que foi tudo mentira sua, e isso é o que me machuca mais. Você me fez precisar da sua voz, da sua companhia. Você entrou na minha vida e, dentro dela, fez uma revolução. E eu que antes era tão vazia, senti-me inundada de cores. Você se tornou meu chão, meu apoio, e até hoje eu chego em casa de madrugada esperando que apareça. Mas você mudou.
Eu por muito tempo achei que te odiasse, mas esse é um sentimento que não consigo segurar. Não em relação a você. Eu estou chateada, eu estou decepcionada, eu me sinto traída, mas não consigo deixar de sentir afeto. E mesmo odiando quem se tornou, não consigo deixar de me importar contigo. Chego a te achar patético, mas o significado que sua presenca teve pra minha vida supera isso.
Muito, muito tempo se passou, e essa é a primeira vez que tento falar sobre isso. Sinto as feridas quase curadas pinicarem em minha pele, e chega a doer
Sabe, a questão do sexo não foi o que me magoou. Quando cumprimos o combinado feito, eu não me senti mal. Eu continuei agindo como sempre, porque o que mais me preenchia era a amizade e o companheirismo. Lembro das várias piadas internas, das várias brincadeiras sem graça, das suas lágrimas molhando minha perna no dia de finados. Você parecia gostar de tudo isso. E mesmo assim, sem nenhuma explicação, mudou. Sei que vai pensar que é coisa da minha cabeça, afinal, você mesmo já me disse isso, mas eu acho que no fundo, sabe que é verdade. Eu perdi muito mais que um melhor amigo, perdi um irmão. Perdi minha felicidade, e também meu chão. Parte de mim foi embora com você.
Eu me lembro da música, do desabafo, do acidente, dos cigarros. E você, do que lembra?
Com muito amor,
T.

The Last Symphony

Eu fiquei um dia inteiro na cama, prostrada, desorientada, usando aquele vestido que você dizia gostar muito. Ele parece realmente sem graça sem você por perto. Seu cheiro exalava do meu travesseiro, e a minha coragem de soltá-lo diminuía conforme as notas do piano ecoavam cada vez mais densas e vivas dentro da minha cabeça. Ah, o piano... Nosso piano. Você sentado em frente a ele, tocando aquela música tão nossa do Debussy. Eu me sentia maravilhosamente pequena perto de você.
O piano, o sorriso, a voz, todos desenhados na fronha molhada de suor agora tão meu, mas antes tão seu. Eu podia ver claramente o dia em que você apareceu na cozinha com uma pequena caixa de veludo nas mãos, e me guiou até a sala, vendando meus olhos. Ouvia o violino tocando aquela música doce, azulada, e o buquê de lírios em cima da mesinha de centro, e a aliança girando em arrepios dentro da caixinha aveludada.
O seu sorriso preenchia cada pedacinho de mim, e os planos muito bem sonhados dançavam no ar na manhã de cada domingo.

Eu fiquei um dia inteiro na cama, prostrada, desorientada, posicionada de modo que não pudesse ver o lado esquerdo do armário, agora frio e triste sem suas camisas e paletós.
Onde você foi com a nossa sinfonia?

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